Parte I - Explanação
Foi em uma noite de Abril de 1998 que tudo aconteceu. Ainda me lembro do odor forte de óleo queimado
e de ouvir os pedaços de vidro espalhados pelo chão quebrarem sobre cada passo meu. O caminho que
levava de onde ela saíra até o local do acidente era uma fúnebre passeata. A estrada passava por uma
sucessão de ondulações descampadas, despojadas de qualquer vegetação, exceto uns poucos tojos e uma
cobertura rala de relva rústica e dura, que servia de alimento para um rebanho esparso de carneiros
magros de aspecto faminto. Ora passávamos por um valão ora por uma cumeada, de onde se via a estrada
serpenteando como uma trilha fina e clara nas sucessivas elevações além. A intervalos a monotonia da
paisagem era quebrada por escarpas pontiagudas em que o granito cinzento do asfalto espreitava
sombrio, como se a natureza tivesse sido ferida até seus ossos descarnados furarem a terra. A
distância via-se montanhas, de onde sobressaía um alto pico coquetemente ornado por uma guirlanda de
nuvens que refletiam a luz quase morta do reflexo do sol contra seu satélite. A lua estava cheia,
então eu pude presenciar cada frame daquela imagem que, Deus sabe, eu quero tanto esquecer.A chuva
caira torrencialmente toda a noite, porém, naquela hora, estava mais tranquila, banhando de dor
aquele momento. O seu carro branco estava agora cinza carbonizado, com poucos resquícios do que fora
sua lataria, agora derretida. Os bancos mal podiam ser identificados e a frente do carro fora
totalmente destruída. O cinto de três pontas não conseguiu segurar o impacto forte da fronte do
veículo com uma sequóia centenária, cuja circunferência ultrapassava seus 20 metros, o que forçou-a
para fora, acertando em cheio o chão há alguns metros dali. Enquanto a polícia tentava me segurar,
eu, num ímpeto de fúria, lançei-me em direção a ela e a abraçei. Pude sentir seu coração demasiado
fraco pulsar dentro do seu peito. Ela abriu os olhos. Pude salvar aqueles, fixos à mim, de modo que
reconheci a pequena mancha escura que fitava os na horizontal, mas eles já estavam sem
brilho, quase perdendo a vida. Segurei para não chorar. Ela começou a balbuciar algumas palavras, mas
diante do barulho das sirenes da polícia e da ambulância, tive que aproximar meu ouvido aos seus
lábios, e eu juro, foi como se o mundo silenciou-se pra que meu cérebro pudesse ouvir cada sílaba por
ela pronunciada. Eis o que ouvi : " - Amor, desculpa. Tanto que você me falou pra tomar cuidado quando
chove e eu não escutei." Não precisa falar mais nada - interrompi de forma delicada e melancólica -
fica calma que tudo vai dá certo. Eles já chamaram ajuda e os médicos estão aqui. Eles vão tomar
conta de você.
- Não tenho mais tempo - caíram essas palavras cortantes de sua boca - eu acho que tá na hora de ir.
- Não - eu gritei - não me deixa aqui. O que vai ser da minha vida sem você? Pra quem eu vou fazer o
café? Pra quem eu vou correr quando faltar luz? Quem eu posso amar como amo você, meu anjo? Fica
aqui.
- Eu te amo, sonequinha. - assim ela carinhosamente me chamava.
E então seus olhos cerraram-se lentamente. E, à medida em que repousavam, me aproximei dela e disse:
-"Não se preocupa, eu vou trazer você de volta pra mim."
Assim foi como Lisbela deixou-me em tristeza. A pobre não tomou cuidado na estrada e, por fim,
permitiu que sua vida esvairecê-se.
II - Depois do acontecido.
Meu nome é Fernando e sou formado em física quantica. Estava há pouco tempo antes do acidente
estudando como se dava o choque entre dois elétrons de hidrogênio na velocidade da luz, tentando
contrariar a constante C. Basicamente, eu tentara prever o comportamento de um corpo numa possível
viagem no tempo em pequena escala. Passado ou futuro. Porém, não tinha concentração suficiente e sempre me fugia o
raciocínio final pra conseguir desintegar átomos e aglomerá-los após. Depois do acidente de minha
mulher, entretanto, abandonei por um longo tempo os meus estudos prévios e me vi à mercê do destino.
Todas as minhas economias viraram líquido, principalmente whisky. Entrei em depressão. Tornei-me
completamente incomunicável com o mundo exterior. Para ser sincero, mal consigo me lembrar a última
vez em que postei-me sóbrio diante de algum sujeito. Tudo que precisava recebia em casa. Me
acostumei a não manter contato com qualquer alma. Um dia, um amigo, Lucas, arrombou a porta de minha
casa e me socorreu. No momento em que ele invadiu a sala, eu estava entrando em choque, por conta de
medicamentos pesados e álcool. Por azar não morri. Mas percebi que seria inútil privar-me da vida,
pelo menos por enquanto, e decidi fazer um check-in numa clinica psiquiátrica. Foram longos 6 meses
até que as alucinações fossem embora completamente. Eu estava "curado". Em ordem de ter algum
obejtivo decidi retomar meu projeto original. A única diferença é que agora eu tinha uma motivação,
eu iria construir uma máquina do tempo e voltar até o dia em que Lisbella morrera. Pus-me a
trabalhar.
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